b1

Os paradoxos da crise

“Abrir um negócio próprio no Brasil é coisa para herói ou sonhador”. Quem nunca ouviu essa máxima? Será verdade? Porque, se for, somos um país de muitos heróis e muitos sonhadores e isso não poderia estar errado. Quem mais ameaça o sucesso dos empreendedores brasileiros é o Custo Brasil com sua altíssima carta tributária, elevado custo do trabalhador e taxas de juros impraticáveis no mercado de crédito, para falar apenas do básico. Quando, além dessa conjuntura para heróis, o país ainda vive uma recessão, nem sendo muito sonhador para se manter o negócio.

Isto pode explicar o impressionante dado do IBGE divulgado nesta quarta-feira (14), sobre o número de empresas que fecharam no Brasil em 2014, superando a quantidade de aberturas. Pela primeira vez, desde 2008 quando começou a pesquisa, o instituto registrou mais portas fechando do que abrindo no país: saíram 944 mil empresas, enquanto as entradas somaram 726,3 mil. O dado é de dois anos atrás e por isso não devemos nos surpreender se, quando for conhecido o resultado de 2016, sabermos que o quadro foi ainda pior.

Uma sinalização desta triste realidade está nos dados da Serasa Experian sobre a quantidade de pedidos de recuperação judicial em 2016, que aumentou nada menos que 61,2% de janeiro a agosto, comparado com ano passado. É o maior número em 10 anos, desde a mudança na Lei de Falências. A nova lei surgiu, entre outros motivos, para evitar que a empresa quebrasse de vez sem uma nova chance de se recuperar – esta utilidade está sendo colocada em prática como os números comprovam. As micro e pequenas empresas lideram a lista com 741 solicitações. Mas tem muito “herói-sonhador” que não tem conseguido nem pensar em uma segunda chance. Os pedidos de falência cresceram 8,95% no primeiro semestre do ano.

Veja o paradoxo da crise. Nem a noção desta triste realidade tem impedido que novos negócios continuem surgindo no país. A quantidade de empresas abertas no Brasil bateu recorde nos primeiros seis meses do ano. Já temos (por enquanto) mais de um milhão de novos empreendimentos. A Serasa Experian, responsável pelo levantamento, chama isto de empreendedorismo de necessidade. Culpa do desemprego. Os brasileiros estão perdendo o emprego, mas não querem ficar sem trabalho e por isso estão investindo no próprio negócio na esperança de manter uma fonte de renda.

A necessidade diante da crise, infelizmente, aumenta o risco de continuarmos a ver o resultado negativo de 2014 se repetir nos anos seguintes. A consequência deste movimento cruel é a destruição de fontes de geração de riqueza do país – riqueza que contribui para o crescimento do PIB. Por isso, mesmo para os otimistas cautelosos, a recuperação do Brasil, desta vez, não virá com um grande impulso da dinâmica conhecida dos últimos anos porque a recessão vai ter causado estragos profundos que levam mais tempo para serem superados. Este realismo, entretanto, não pode e nem deve superar a esperança de todos os heróis-sonhadores de que o pior já pode ter ficado para trás. Em algum momento tínhamos que parar de piorar e recomeçar numa nova trajetória. E tudo indica que já estamos nela, mas vai demorar até que todos façam a curva e se juntem no mesmo compasso.